sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Eu e o Violão


          Minhas mãos desamparadas estão a procurar... A procurar algo que não sei. Estão tateando as paredes foscas do tempo, turvas, feitas algumas lembranças remotas. Minhas mãos, perambulas, andam pelos cômodos...
          Escuto os sons da minha casa: Um ruído, palavras indispostas, os pés no chão, a água esvaindo pelo ralo, o respirar e a pulsação incessante de TUDO (TU-DU, TU-DU, TU-DU...) e lá, bem lá no fundo, na ultima sala do corredor, muito timidamente escuto um estalo solitário da madeira.
          Minhas mãos ébrias de som buscam uma fuga dentro do bolso da calça, fogem dos soluços noturnos, correm da aglutinação destes sons. Por um instante permaneço imóvel, um pedaço de mármore a espera de uma nota desolada. Num estalo "fortíssimo" da madeira, me desperto, recupero o movimento. Vacilei para distinguir de onde provinha estes estalos diluídos no ar, irresolutos.

          Enquanto isso a noite tingia o céu, o céu demorava-se a estender e eu escutava o mundo e sua vida: um corpo pulsando dentro do meu corpo, era a música querendo sair e transitar pela casa.
Sentei no sofá, coloquei os pés no meu "chess-long", isto bastou para que as mãos se enciumassem e criassem vida própria.
          Em um ato de coragem os dedos escorregaram pelo tapete, me levando a nocaute. Logo entendi, minhas mãos e meus dedos estão fixados nos estalos, que agora estavam progredindo em dinâmicas musicais indo de "piano" á "fortissísimo", além disto, agora, os ruídos eram som e os estalos eram contínuos.
Adentramos o meu quarto, o som entrou em mim e fechou a porta, tornando-se ensurdecedor, o tempo parou, eu parei, minhas mãos febris e ermas estavam inertes. Em cima da cama um violão pulsando, cantando, penetrando cada canto do quarto, e como se fosse ensaiado, uma melodia inquieta saiu do meu corpo, um gesto grave e teatral. A melodia me pegou pelo braço, colocou o violão no meu colo, entornando no ébano.

          Toquei as cordas e meus dedos enroscaram nelas e na melodia, rocei as escalas, meus dedos cravaram-se no braço do violão estavam feitos uma criança grudada na saia da mãe. Toquei o violão e me tornei uma extensão do instrumento ou vice-versa, as primeiras notas soltas foram como o ar emanando nos pulmões pela primeira vez.

          E assim nascia de novo... Eu e o violão.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Ensaio da Música (CCX)

Vagando pelas ruas, com meus pés familiarizados com o asfalto, sigo na companhia de uma música. Uma música qual desconhecia. Ela falava, comigo, deixando as notas pelo passeio-público, todas as notas debruçadas pelo chão, eu apanhava algumas, cuidei de prosseguir no tom, abandonei os bemóis e sustenidos pelo caminho. No entanto sua melodia transcorria num diálogo inato com as minhas palavras.

Um diálogo, eis então que minhas palavras tornaram melodias, verteram notas, nascia assim o canto, germinava a minha voz, (é como se nos anos que eu vivi eu não desse conta que minha voz estava inerte, ou pelo menos um tanto sem utilidade, digamos...). Semanalmente a mesma trajetória, ao meu lado a mesma música, mas com apenas uma diferença, nossas vozes emaranhavam-se... Duas vozes entrelaçadas... Não denominado como diálogo e sim como dueto

Contornávamos os meio fios, e concordo que o contorno desta melodia se perdia: nas vielas, becos, esquinas, passando por lugares inóspitos. Posso dizer que me sentia como música, adentrávamos em cada vão estreito ao nosso redor... Nos rodeávamos. Circulávamos em cada ponto da cidade. (Tempo que despedida era encontro).

Pouco a pouco fui constituindo as notas, acrescentando os baixos, emoldurando inversões, difundindo os tons... Minuciosamente fui harmonizando-a, durante esses nossos encontros. Foquei nos arranjos: harmonizava enquanto assistíamos a um filme, dividia o ritmo no ónibus.
Fiquei paranóico...  Meu anseio: perscrutar a música. Com muito cuidado, mexia nos intervalos de tempo, no crepúsculo outonais saíamos caminhar nas pautas, andando com passos pianíssimos.

E assim, de súbito me veio, em meio, a devaneios: ”Já não era um dueto, não.”

Não, era melodia, não era nota isolada, não era partitura ou qualquer tipo de catalogação, não era, nem sequer matéria... Não era nada... Nada era ou estava ao meu redor, existia somente nós. Eu era a música. Era a música que compus sem perceber... Me pus nos ventos, lúcido estava de tanta alegria... A compilação das coisas que amo dentro de mim... Ah, subi, subi, nos arranha-céus da cidade, corri no velho trajeto, espalhei fusas difusas em semifusas, corri muito até me faltar o ar e a respiração, sincopada, ofegante... Fatigado, ânimo esgotado. Morri e logo ressuscitei. Sinceramente, só após a minha loucura fui refletir e verificar os fatos haviam de fato ocorrido.

Pois sim, verídicos, feito a certeza de estar apaixonado.  Sei que é verdade a música. Desenho as notas, diariamente, como um arquiteto a edificar seus monumentos. Notei então que sou eu quem compõe esta Música, e a Música que compõe esta vida.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Há pesadelos que vem para o bem


Vez em quando partindo para rua, repartindo o asfalto, uma matilha de pensamentos salta sobre minha cabeça, todos com uma boa porcentagem de insanidade. Enfim, de contragolpe arrebatei um “desejo insano”, nele vinha escrito:

Sonhes muito, na verdade desejo-lhe muitos pesadelos.
A medida é de 2 a 4 por semana.
Há um tempo para parar e refletir, outro para ver...

Hesitei no mesmo instante... Só poderia ser algum mau contato na RTP (Rede Transmissora de Pensamentos).
Logo após, um Pensamento desmilinguido envia um SMS no meu celular:

Encaixaremos todo sono em seus respectivos adormecidos.
Ass. Pensamento Desmilinguido

A reflexão:
Guardo esta reflexão como um desabafo. Em alguns dias sinto viver num universo que sufoca meu corpo e abastece minha mente de entretenimentos remanescentes, induzidos por à noticias sensacionalistas ou programas quiméricos, irreais como BBB sei lá que número. Tempo para os parênteses.
(Parênteses)
  (Até onde iremos dilatar nossa alienação? Até quando ficaremos estagnados sobre o sofá criando raízes? Desculpe, mas... meus parênteses estão com pressa, eles têm assuntos mais importantes a cobrir).
Tempo A-CA-BA-DO! Dando continuidade a este sermão, é uma pena que a visibilidade de eventos culturais e pensamentos interessantes não ganhem tanto IBOPE. Tuuudo bem, basta “facilitar o universo”.
“Facilitar o universo”. Me coloquei sobre estas palavras e nelas fiquei a ponderar-lhes até cansar os olhos. Fui para o quarto, despi meus pensamentos e permiti que dormissem na minha cama.
Como todos sabem é impossível se abster de pensamentos na mente, seguindo este raciocínio creio que na minha cama estavam dormindo apenas a família Pensamentos Cientes (PC) e na minha cabeça estavam, muito bem acordados, a família Pensamentos Lúcidos (PL). Analisando este quadro suponho que o excesso de cafeína se concentrou nos PCs, assim sendo não conseguiu expansão no meu corpo, pois apesar de pensamentos acordados EU estava acabado.

Adormeci, feito um “baby” de comercial de fraldas noturnas. Tive um pesadelo horrível e o tempo prolongando, protelando, adiando (Tudo no Sr.Gerúndio) o meu tão esperado despertar. Fi-nal-men-te... Despertei.
Sabe aqueles dias que o pesadelo foi tão ruim que acordamos com a vontade de agradecer a Deus, de beijar velhinhas e dar comida para as pombas?!
Foi então que tudo se tornou perceptível: a realidade é boa e também bonita. Ela sempre habitou este lugar levando consigo o universo.
Hoje vejo os questionamentos do mundo e o próprio numa questão de “óptico-psíquica”.

Pode ser que o mundo, o universo e o Tio Cosmos não sejam sempre compatíveis às formas com que pensamos ou do modo que gostaríamos que fossem. Nem sempre é a vida que nos aprisiona. O que aprisiona é a maneira como olhamos e vivemos o nosso “redor”.